quinta-feira, 6 de abril de 2017

Uma vovó tecnológica

Os dias estão cada vez mais acelerados, com gente de todo tipo já corcunda de tanto se curvar para ler e escrever no telefone celular. Nas ruas, as rodas de conversa aos poucos são substituídas pelo bate-papo virtual; os corcundas de celulares estão por todo lado, nas mesas de cafés, padarias e restaurantes. Outro dia assisti a um vídeo de uns japoneses – se não me falha a memória eram japoneses – sentados em assentos do metrô, incrivelmente quietos, com olhos vidrados na tela do dispositivo. Não tinha um “oi” ou “até logo”, apenas o diálogo frio com aquele negócio grudado às mãos. A impressão era de que aquilo fosse um portal para um mundo paralelo, a via para uma outra dimensão. Continuo me perguntando se o caminho que as pessoas estão trilhando não vai levá-las para um processo de “zumbificação” ou “adoração digital”. Mas enfim...

O que tem me chamado bastante atenção não é nem o processo de aceleração das tecnologias, que é até natural, mas a maneira como isso tem afetado as pessoas. Tudo tem me feito pensar bastante: até que ponto a internet, o wi-fi, o Facebook, Whatsapp e afins irão modificar o ser humano e as relações interpessoais? Crianças parecem nascer já preparadas para o mundo digital, em um ambiente já formatado em bits e bytes. Em tenra idade, meninos e meninas já deslizam seus minúsculos dedos nos tablets e se encantam com o brilho das telas. Namoradas virtuais já se espalham por aí: homens reais que se apaixonam – e até ficam doentes! – por mulheres de mentira, que comem, dormem e tomam banho por meio de comandos eletrônicos.

Mas uma parcela da população ainda se salva. Os idosos, ao que parece, ainda estão “limpos” dessa doidera toda. As bengalas, as cadeiras de balanço e as agulhas de crochê ainda estão aos montes por aí, ainda firmes ao lado de seus experientes companheiros.

Mas há exceções. Nem todos os senhores e senhoras estão por fora da tecnologia. Ontem, estava eu tranquilo no quarto vendo as novidades fúteis do Facebook, quando recebo uma mensagem.

- “Já saiu do seu refúgio?”

A minha vó, de mais de 80 anos, talvez seja a única senhora que conheço que usa e abusa das novidades tecnológicas. Mais do que uma avó dinâmica, a Dona Cida é incrivelmente desenvolta no uso dos novos aparatos digitais, curiosa como poucos por aí. Mais do que um caso raro, minha vó é uma prova de que não há idade para se aprender as coisas. No começo foi um pouco embaraçoso, é verdade, mas hoje digamos que ela domina mais de 80% das funcionalidades de suas contas de Facebook e Instagram – sim, ela tem até Instagram! Tirando o dia em que compartilhou uma postagem de apoio ao ex-presidente Lula, sendo ela totalmente contrária ao lulismo e petismo, podemos dizer que ela está tirando de letra os desafios do mundo digital. Faz comentários e curte alguns posts, compartilha informações que acha interessantes e tudo o mais que os perfis possibilitam.

- “Seu refúgio é o porão, que eu sei.”, continuava a mensagem.

Apanhando um pouco da surdez, mas extremamente lúcida, a Vó Cida me mandava o texto para ver se eu já havia deixado o porão de casa, onde ficam meu computador, videogames e livros. Como sempre faz, ela queria perguntar coisas do dia a dia. 

Apesar das visitas praticamente diárias dos parentes, ela se sente sozinha às vezes, e, desse modo, o celular acaba sendo um ótimo companheiro. Com ele, a vó conversa com as pessoas que gosta e acompanha as notícias. A TV, sempre em volume altíssimo, muitas vezes fica ligada à toa na sala, só por costume mesmo, já que a tela para onde ela olha é a do celular - ou do tablet.

- “Não, vó, estou aqui no meu quarto agora. Já saí do porão. Como estão as coisas por aí?”, respondi.

A conversa naquele dia foi curta, mas as mensagens vindas da vó Cida, como sempre, me surpreenderam. Será que aos oitenta e poucos anos terei tamanha lucidez e facilidade para aprender e assimilar as novidades do futuro próximo? Não sei nem se chego vivo até essa idade, quanto mais lúcido!

Ah, minha querida vó, nunca esqueça de mandar mais e mais mensagens. Mas, de preferência, continue me dando abraços e conversando comigo olhando no olho, de pertinho. Independentemente do quão tecnológicos estiverem os dias, quero que esteja sempre perto de mim.