Nunca se viu tantos prédios sendo construídos na cidade. Nos locais onde vertia água agora há concreto e o cheiro quente do cimento. Nas árvores, o barulho e furor incomum dos pássaros, ao que tudo indica, significam algo muito importante, mas a maioria das pessoas está surda e cega, ou prefere simplesmente ser indiferente ao pedido de socorro da natureza.
Um conhecido meu, hoje já falecido, tinha um programa de rádio e, quando não estava no ar, de vez em quando ligava para conversar sobre amenidades e assuntos corriqueiros. Dificilmente falávamos sobre assuntos sérios, pois quando duas pessoas com gênio difícil resolvem se opor em relação a ideias, nem sempre o bate-papo é muito agradável. E nós dois nos conhecíamos razoavelmente bem, então, talvez por consenso de ambas as partes, preferíamos falar sobre assuntos leves, como futebol, o clima e coisas engraçadas.
No entanto, certa vez me disse: "É normal a construção de prédios e o uso de áreas verdes para criação de centros urbanos, afinal, a prioridade são as pessoas, e elas precisam de um lugar para viver". Ok, entendi a mensagem de que é preciso dar moradia às pessoas, uma vez que a população tende a aumentar em todos os lugares do planeta, e isso é bastante óbvio, mas aquele modo de pensar me deixou inquieto, pois dava a impressão de que ele defendia um "vale-tudo pelo progresso", pela destinação imperiosa de mais espaços para o ser humano, doa a quem doer. Quais são os limites do avanço urbano? Até que ponto a construção de moradias é mais importante do que preservar as matas, as nascentes, a fauna, enfim, os espaços da natureza? É possível viver em sinergia com o meio ambiente, desenvolvendo o espaço urbano sem degradação?
Como não podia deixar de ser, retruquei: "Mas você não acha que o modo como estamos inchando as cidades e a maneira com que estamos tratando a natureza não nos serão caras e que poderão acabar com nosso futuro?". Citei inclusive um autor muito conhecido no meio científico, o físico Abraham Loeb, que fala da teoria do "Grande Filtro" em seu livro "Extraterrestre". A hipótese é de que nenhuma sociedade inteligente consiga durar por muito tempo, já que a tecnologia, ao chegar em um estágio avançado, acaba provocando a extinção da civilização, seja por meio de uma guerra nuclear, pelo uso da inteligência artificial ou - por que não? - a destruição da natureza.
Há movimentos importantes, principalmente nos países de primeiro mundo, buscando soluções para o crescimento urbano sustentável. Na Suíça, por exemplo, há o programa "Cidades Sustentáveis", que apóia o desenvolvimento de infraestrutura urbana verde. O objetivo é valorizar projetos de infraestrutura urbana em diversos setores, como transporte, água, esgoto, resíduos sólidos e energia distrital. (E, aqui, uma pausa para reflexão: existem essas ações em andamentos no seu espaço de convivência, na sua cidade, no seu Estado, em seu país?).
Em março de 2024 foi divulgado que Valência, na Espanha, foi eleita a Capital Verde da Europa. Claro que a gente desconfia desses títulos e prêmios, pois às vezes são puro marketing, mas os dados são interessantes: de acordo com a "Comissão Europeia", 97% dos habitantes de Valência vivem a menos de 300 metros de uma grande área verde. Ou seja, existe a iniciativa de priorizar a harmonia entre as áreas urbanas e espaços verdes.
Particularmente, eu gostaria de ver a nossa civilização passar pelo "Grande Filtro", apesar de muitas vezes acreditar que não mereça, diante de tantas barbaridades e desrespeito à vida, em todas as suas formas. Mas para não nos exterminarmos em um futuro que pode ser breve, precisamos fazer a lição de casa, a começar aqui mesmo, em nossas cidades. Enquanto não colocarmos na cabeça que os espaços da natureza precisam ser respeitados, e de que pensar apenas no próprio umbigo é perigoso para o futuro da raça humana, a chance de entalarmos no funil do "Grande Filtro" é perigosamente grande.