segunda-feira, 8 de abril de 2024

O tempo

 rascunho sobre o

'tempo'

de tempos em tempos, boto reparo no tempo que passa apressado. os cabelos longos da menina da minha vida hoje estão mais longos, bem mais longos do que bem pouco tempo atrás. a mesma menina já é 'quase moça' e parece que foi ontem mesmo que ela queria um tempo pra brincar. 

queria sentar aqui e, ao invés de perder tempo, conseguir convencer o tempo a dar um tempo. explicar que eu só queria ter tempo de ver o tempo passar. mas a vida não gosta de contratempos e pediu licença - afinal, o tempo, sem perder tempo, já quer de novo passar. 



terça-feira, 2 de abril de 2024

Enquanto eu existir

 

Enquanto existir um chão de terra,

Um menino estará ali

Jogando bola, topando o dedo, 

Dizendo "não" ao pai que chama para voltar para casa.

 

Enquanto existir a ilusão,

Uma moça irá se despir

Sonhando com o príncipe encantado

Que irá lhe salvar da solidão.

 

Enquanto houver a saudade,

Haverá alma em prantos

Almejando o amálgama

Para selar sua dor.

 

Enquanto eu estiver aqui,

Não deixarei de pensar em ti

Com a certeza que, muito em breve,

Voltarei a abraçar-te e beijar o rosto teu.

 


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Um anjo que entrou pela janela - uma história da nossa gata Sissi


Num dia de sol, um gato já crescidinho entrou pela janela da minha casa. Uma gata, melhor dizendo. Mas não, ninguém teve contato com ela antes. A gata apareceu de repente, pelo telhado da vizinha, então minha filha ofereceu comida, e ela entrou como se conhecesse cada cantinho e todo mundo que morava ali. Deitava no sofá, caminhava em cima do forno elétrico e, sem medo nenhum, passava se esfregando na Luna, nossa cachorra. Que atrevimento! - pensei comigo, achando tudo aquilo muito engraçado. Luna olhava para mim, como que dizendo "Ei, pode isso?", mas aceitou bem, mesmo não concordando muito, à princípio... 

Ela chegou pouco tempo depois de algo terrível acontecer. No dia em que a Sissi entrou em nossa vida (ah, sobre o nome dela, fui eu que dei, com tônica no primeiro "i", assim: SÍSSI), logo se apegou à minha esposa Regina, e passou a entretê-la, o que me chamou a atenção. A irmã mais nova de Regina, que era filha adotiva, recentemente havia sido assassinada no Rio de Janeiro e, desde então, estava muito, muito triste. O mundo havia caído em sua cabeça não fazia muito tempo, e a gata Sissi esteve ali, firme, junto dela, nitidamente fazendo de tudo para que desviasse a atenção dos acontecimentos. Regina chorava e a gata ao seu lado.

Os dias foram passando e Sissi, que veio da rua sem ninguém chamar, ingressou em nossa família. Fazia parte de nossas vidas como se fosse acolhida por nós desde pequenininha. Sua estada em casa era tão natural que eu lembro de ter estranhado aquilo, pois nunca tinha visto um gato desconhecido entrar na vida de alguém dessa forma, tão abruptamente  e de maneira tão íntima, como se fosse um bichano que estava junto desde que nasceu. Sissi entrava e saia de casa com uma naturalidade e tranquilidade que impressionava, mesmo com a Luna em casa, lançando olhares desconfiados. Desde o primeiro dia foi desse jeito. Era uma nova integrante, mas agindo como se fosse de casa há muito tempo.

Às vésperas do Natal daquele ano, o caminhão de lixo estava parado em nossa rua, bem em frente de casa, e os lixeiros percorriam as residências gritando "olha a caixinha de Natal!", na tentativa de arrecadar uns trocados extras. Uma moça, num carro branco, veio dirigindo e, ao ver o caminhão de lixo, mudou de mão para desviar. Neste momento, a querida Sissi, nosso amor e anjo que caiu como um raio em nossas vidas, atravessou a rua. Eu estava em casa, no porão, e ouvi uma gritaria. Saí correndo e, ao chegar, vi a Sissi já na calçada, imóvel. Regina estava lá e a pegou nos braços, em desespero. Segundo os lixeiros, ela foi atropelada ao tentar atravessar a rua, possivelmente assustado pelo barulho, querendo voltar para nossa casa. A jovem que dirigia o carro branco voltou e, ao ver a cena, pediu desculpas chorando. Daquela forma, também trágica, morreu um dos seres mais queridos e lindos que já vi. Enterrei seu corpinho no quintal, à sombra, ao lado do pé de pitanga. Incrivelmente, não tinha um machucado sequer. As lesões do acidente foram internas.

Como fazia todo dia, Sissi saía durante o dia para fazer suas andanças, e isso era algo praticamente impossível de proibir, pois ela era, na verdade, uma gata criada na rua e não suportava ficar trancada. Chegamos a fechar as portas de casa por um tempo, mas percebemos que isso era péssimo para ela, pois ficava incomodada e infeliz.

Sissi foi embora abruptamente, da mesma forma que chegou. Não sabemos se anteriormente ela já andava pela vizinhança, ou se frequentava outras casas. Mas foi ali, com a gente, que ela veio morar, dormir, passar o maior tempo do dia, se alimentar, fazer estripulias (como deitar e desmanchar as peças do meu tabuleiro de xadrez). Em nosso lar ela dava e recebia muito carinho. Nunca mais a esqueceremos. Um anjo em forma de gato - assim eu acredito que tenha sido essa criatura tão especial feita por Deus, que chegou para acalentar nossas almas e partiu para brilhar junto às estrelas do ceu.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Minha caixinha de lembranças e saudade eternas

Um amigo que fiz pela internet resolveu escrever uma história e me convidou a fazer isso junto com ele, a quatro mãos. Era um cara muito legal e achei que poderia ser uma experiência bacana. Então, aceitei, e a primeira parte do texto ele meu enviou com a instrução de que eu deveria dar continuidade à história. Logo de cara, percebi um tom meio pesado nas palavras, umas linhas reflexivas de alguém que pressentia ou sentia algo não muito bom, que passava por uma fase difícil. Para não aprofundar aquele baixo astral, mudei “só um pouquinho” o rumo e, à minha maneira, inseri umas reviravoltas amalucadas, contando um bizarro acontecimento de um vizinho que matava gatos e depois saía pelo meio da rua gritando, altas horas da madrugada. Era proposital: um devaneio, um escapismo que achava necessário naquele momento.

Quando meu amigo leu aquilo, nitidamente estranhou, mas continuou. Coloquei-o num território desconhecido. Talvez ele estivesse aguardando algo mais sério, profundo, maduro; se enveredar por um caminho mais desafiador. Possivelmente gostaria de uma narrativa mais filosófica, voltada à experiência de vida, à existência em si. Não sei se fiz o certo, mas naquele momento achei que seria melhor assim. Por fim, ele aceitou aquela reviravolta por mim proposta e continuou a escrita, não sei se a contragosto, e assim seguimos por alguns meses. Ele escrevia um trecho e me mandava; eu dava continuidade, e devolvia - e assim sucessivamente.

Não, não era uma história digna de publicação, creio eu, mas estava divertido fazer aquele exercício. Para mim, pelo menos, estava. A gente ia narrando fatos e acontecimentos e deixando uma “ponta” para o outro, que remendava e apresentava novos cenários. E assim a gente ia desenrolando a história... Mas eis que por uns 15 dias, mais ou menos, não recebi mais nada. Um silêncio pairou no ar, em nossos chats e salas de bate-papo.

Não nos falávamos com tanta frequência, mas pelo menos uma vez por semana. E o mais curioso: não o conhecia pessoalmente, apenas pela internet. A distância não impossibilitou de considerá-lo um grande amigo. Estranho isso, e nunca pensei que uma grande amizade poderia nascer dessa forma, sem nunca ter visto a pessoa cara a cara. Não o considerava apenas um amigo de internet, mas sim um amigo da vida. A gente até cogitou em se encontrar para nos conhecer pessoalmente, tomar uma cerveja em algum bar (assim como eu, ele era fã de cerveja), mas isso acabou nunca acontecendo.

“Cara, você viu a minha última parte do texto?”, mandei para ele. Passaram-se dois, três, quatro dias. Nada. Depois soube, por meio de um outro camarada que fiz pela internet, que o meu amigo estava no hospital, internado. Alguns outros dias passaram e descobri seu número de Whatsapp – o que me surpreendeu, pois conhecia sua resistência ao uso de celulares, redes sociais, etc. Então trocamos mais algumas mensagens, por texto e voz, sobre o tratamento que ele fazia - inclusive me confidenciou a agonia de não pode sair dali. Estava preso no hospital, em uma cama. Foram poucos dias assim, trocando poucas mensagens, e as últimas que ele enviou, em áudio, já evidenciavam uma pessoa sem forças, com voz embargada, de brilho fosco, totalmente diferente do que era, certamente já atordoada pelos remédios. Mais uma vez, mandei uma, duas, três mensagens, sem obter resposta.

Em um certo dia acordei e senti um frio na espinha, uma sensação esquisita. Mas não pensei imediatamente em meu amigo e em sua situação complicada – acreditava que ele iria se recuperar, afinal. E fui levando o dia a dia, mas sempre com aquele sentimento cinzento sempre que pensava nele e em nossa história inacabada.

Não demorou muito fiquei sabendo de sua morte. E aí o que eu nunca imaginei que seria possível aconteceu: senti a morte dele como se fosse uma pessoa próxima que convivia diariamente comigo. Seres humanos são mesmo criaturas incríveis e totalmente indecifráveis. Apenas por meio da comunicação, por fala e escrita, à distância, conseguimos nos conectar de uma forma como se estivéssemos morando na mesma cidade, saindo juntos para tomar uma cerveja ou jogar uma partida de um jogo qualquer.

Nosso assunto principal eram os jogos, os videogames e os livros, e apenas trocando ideias sobre isso, sem nunca termos apertado as mãos, nos tornamos grandes amigos – assim eu o considerava. E sinto saudade dos nossos papos, das nossas risadas e tiradas de sarro. E fico lembrando de outras pessoas, parentes e amigos, que fizeram parte de minha vida e também já se foram. E a vida continua passando e, cada vez mais, minha mente se torna uma caixinha de lembranças, onde guardo histórias e experiências, e de saudades eternas.

Felipe Betschart
Janeiro 2024