sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Um anjo que entrou pela janela - uma história da nossa gata Sissi


Num dia de sol, um gato já crescidinho entrou pela janela da minha casa. Uma gata, melhor dizendo. Mas não, ninguém teve contato com ela antes. A gata apareceu de repente, pelo telhado da vizinha, então minha filha ofereceu comida, e ela entrou como se conhecesse cada cantinho e todo mundo que morava ali. Deitava no sofá, caminhava em cima do forno elétrico e, sem medo nenhum, passava se esfregando na Luna, nossa cachorra. Que atrevimento! - pensei comigo, achando tudo aquilo muito engraçado. Luna olhava para mim, como que dizendo "Ei, pode isso?", mas aceitou bem, mesmo não concordando muito, à princípio... 

Ela chegou pouco tempo depois de algo terrível acontecer. No dia em que a Sissi entrou em nossa vida (ah, sobre o nome dela, fui eu que dei, com tônica no primeiro "i", assim: SÍSSI), logo se apegou à minha esposa Regina, e passou a entretê-la, o que me chamou a atenção. A irmã mais nova de Regina, que era filha adotiva, recentemente havia sido assassinada no Rio de Janeiro e, desde então, estava muito, muito triste. O mundo havia caído em sua cabeça não fazia muito tempo, e a gata Sissi esteve ali, firme, junto dela, nitidamente fazendo de tudo para que desviasse a atenção dos acontecimentos. Regina chorava e a gata ao seu lado.

Os dias foram passando e Sissi, que veio da rua sem ninguém chamar, ingressou em nossa família. Fazia parte de nossas vidas como se fosse acolhida por nós desde pequenininha. Sua estada em casa era tão natural que eu lembro de ter estranhado aquilo, pois nunca tinha visto um gato desconhecido entrar na vida de alguém dessa forma, tão abruptamente  e de maneira tão íntima, como se fosse um bichano que estava junto desde que nasceu. Sissi entrava e saia de casa com uma naturalidade e tranquilidade que impressionava, mesmo com a Luna em casa, lançando olhares desconfiados. Desde o primeiro dia foi desse jeito. Era uma nova integrante, mas agindo como se fosse de casa há muito tempo.

Às vésperas do Natal daquele ano, o caminhão de lixo estava parado em nossa rua, bem em frente de casa, e os lixeiros percorriam as residências gritando "olha a caixinha de Natal!", na tentativa de arrecadar uns trocados extras. Uma moça, num carro branco, veio dirigindo e, ao ver o caminhão de lixo, mudou de mão para desviar. Neste momento, a querida Sissi, nosso amor e anjo que caiu como um raio em nossas vidas, atravessou a rua. Eu estava em casa, no porão, e ouvi uma gritaria. Saí correndo e, ao chegar, vi a Sissi já na calçada, imóvel. Regina estava lá e a pegou nos braços, em desespero. Segundo os lixeiros, ela foi atropelada ao tentar atravessar a rua, possivelmente assustado pelo barulho, querendo voltar para nossa casa. A jovem que dirigia o carro branco voltou e, ao ver a cena, pediu desculpas chorando. Daquela forma, também trágica, morreu um dos seres mais queridos e lindos que já vi. Enterrei seu corpinho no quintal, à sombra, ao lado do pé de pitanga. Incrivelmente, não tinha um machucado sequer. As lesões do acidente foram internas.

Como fazia todo dia, Sissi saía durante o dia para fazer suas andanças, e isso era algo praticamente impossível de proibir, pois ela era, na verdade, uma gata criada na rua e não suportava ficar trancada. Chegamos a fechar as portas de casa por um tempo, mas percebemos que isso era péssimo para ela, pois ficava incomodada e infeliz.

Sissi foi embora abruptamente, da mesma forma que chegou. Não sabemos se anteriormente ela já andava pela vizinhança, ou se frequentava outras casas. Mas foi ali, com a gente, que ela veio morar, dormir, passar o maior tempo do dia, se alimentar, fazer estripulias (como deitar e desmanchar as peças do meu tabuleiro de xadrez). Em nosso lar ela dava e recebia muito carinho. Nunca mais a esqueceremos. Um anjo em forma de gato - assim eu acredito que tenha sido essa criatura tão especial feita por Deus, que chegou para acalentar nossas almas e partiu para brilhar junto às estrelas do ceu.

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